sexta-feira, 24 de junho de 2011

Os Maias - Símbolos


10. Símbolos


· O jardim do Ramalhete


As alterações que o jardim do Ramalhete sofre permitem-nos ver o percurso da família Maia. Esta evolução é visível principalmente em três elementos: as árvores do jardim, a estátua de Vénus Citereia e a cascata.

Primeiramente o jardim do Ramalhete é descrito com um aspecto abandonado. Esta aparência reflecte o sofrimento de Afonso devido à morte de Pedro. A estátua de Vénus, símbolo de amor e sedução, representa as mulheres fatais desta obra. Nesta primeira fase, ela está bastante degradada, sugerindo a fuga de Maria Monforte. A cascata representa uma espécie de clepsidra, isto é, um relógio de água, que marca a passagem implacável do tempo. Esta encontra-se seca, pois o tempo de acção d’ O Maias ainda não começou. O cedro e o cipreste, árvores que vivem muitos anos, testemunharão as várias gerações desta família.

No momento que coincide com a juventude de Carlos, a descrição do jardim sugere renovação e vitalidade. A estátua de Vénus surge deslumbrante, anunciando a felicidade que Carlos viverá com o aparecimento de Maria Eduarda. Por outro lado, a recuperação deste símbolo de feminilidade perversa deixa pressagiar uma desgraça. A cascata encontra-se cheia de água, remetendo para um choro que prenuncia a tristeza que assolará os Maias.

No final da obra, o jardim do Ramalhete surge com um aspecto sombrio, solitário e degradado, representando o fim da família Maia. A estátua de Vénus aparece coberta de ferrugem, simbolizando o desaparecimento de Maria Eduarda. A cascata, num prantozinho esfiado gota a gota, simboliza a dor pela morte de Afonso e indicia a aproximação do final da história d’ Os Maias. O cipreste e o cedro, envelhecendo juntos, como dois amigos inseparáveis, representam a amizade de Carlos e João da Ega. Para além disso, porque são árvores de cemitério, conotadas com a morte, remetem para o carácter romântico destas personagens que se dizem realistas.



· Símbolos cromáticos


Os Maias estão também povoados de símbolos cromáticos, cumprindo os postulados do Impressionismo:

“Maria, abrigada sob uma sombrinha escarlate, trazia um vestido cor de rosa cuja roda, toda em folhos, quasi cobria os joelhos de Pedro sentado ao seu lado (…)(cap. I)

“Ela tomara de sobre a mesa, abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas.” (cap. XI)

Maria Monforte e Maria Eduarda são muitas vezes descritas com elementos de um vermelho fogo, cor que remete para o carácter sensual destas personagens.

“Sob as rosinhas que ornavam o seu chapéu preto os cabelos loiros, dum oiro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda;” (cap. I)

O preto, cor associada à morte remete para o carácter destruidor das paixões desencadeadas por Maria Monforte e Maria Eduarda.

O amarelo remete para o carácter ardente da paixão. A cor de ouro sugere a aparência endeusada de Maria Monforte e Maria Eduarda.

O Impressionismo designa o nome de uma escola de pintura que surgiu em França em 1874, cujos principais representantes foram Monet, Degas e Renoir. Os pintores impressionistas procuraram captar impressões puras, isto é, percepções imediatas e não intelectualizadas do real, tirando o maior partido da captação da luz e da cor. Os impressionistas, se por um lado, reagiram contra o Realismo, interessando-se não pelo objecto em si, mas pelo efeito que este provocava no pintor, por outro lado, mantiveram uma preocupação pela fidelidade à sensação e pela reprodução da realidade de maneira impessoal, objectiva e minuciosa, características da estética realista. Esta estética rapidamente ganhou uma dimensão internacional, expandindo-se simultaneamente a outras manifestações artísticas, como a fotografia, a música, a literatura, entre outras.

“Parou, varado: e o seu ímpeto logo foi esmagar a cacete aqueles dois animais, enroscados na relva, sujando brutamente o poético retiro dos seus amores. Uma alvura de saia moveu-se no escuro: uma voz soluçava, desfalecida - oh yes, oh yes... Era a inglesa!” (cap. XIV)

“Carlos já decidira transformar aquele espaço em fresco jardinete inglês; e a porta do casarão encantava-o, ogival e nobre, resto de fachada de ermida, fazendo um acesso venerável para o seu sanctuário de ciência. Mas dentro os trabalhos arrastavam-se sem fim; sempre um vago martelar preguiçoso numa poeira alvadia; sempre as mesmas coifas de ferramentas jazendo nas mesmas camadas de aparas!” (cap. IV)

N’ Os Maias, o impressionismo literário é muitas vezes conseguido através da anteposição da cor ao objecto e de hipálages. Por exemplo, na expressão “uma alvura de saia moveu-se no escuro” em vez da expressão “uma saia branca moveu-se no escuro”, dá-se destaque à cor ao antepor esta ao objecto. Já a hipálage “sempre um vago martelar preguiçoso” contribui também para um efeito impressionista, ao permitir a fixação da aparência superficial e momentâneo da realidade conseguida a partir de transposição do atributo do agente para a acção.

Hipálage - Figura de estilo que consiste em atribuir a uma palavra uma qualidade ou acção que pertence a outra que a antecede.

O epílogo d’ Os Maias, constituído pelo passeio final de Carlos e Ega no capítulo XVIII, está revestido de um carácter satírico, uma vez que se faz uma descrição bastante crítica da cidade de Lisboa e dos seus habitantes. Por outro lado, o epílogo reveste-se também de um carácter simbólico, na medida em que é durante o passeio destas personagens que encontramos um símbolo com um significado importante neste romance, a estátua de Camões. Esta, envolvida por uma atmosfera de estagnação do presente, simboliza a amarga nostalgia de um passado nacional glorioso que desapareceu.

“Estavam no Loreto; e Carlos parara, olhando, reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brazões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Aliance conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lagedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havaneza, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.

- Isto é horrível quando se vem de fora! exclamou Carlos. Não é a cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada!...” (Capítulo XVIII)

De reparar nos vocábulos que sugerem a estagnação, a tristeza e a decadência que rodeiam a estátua de Camões.


O epílogo

Carlos, apesar da sua educação britânica, fracassou ao deixar-se arrastar pela paixão romântica que o seduziu.

Tendo em conta os excertos relativos ao Passeio Final de Ega e Carlos, podemos inferir algumas das críticas apontadas à sociedade portuguesa dos finais do século XIX.

“Estavam no Loreto; e Carlos parara, olhando, reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara.” - Imobilismo da sociedade portuguesa.

“- Falhámos a vida, menino!

- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação.“ - Aceitação do fracasso e do desencanto por parte dos dois amigos.

“- Ora aí tens tu essa Avenida! Hein?... Já não é mau!”

(…)

E ao fundo a colina verde, salpicado de árvores, os terrenos de Vale de Pereiro, punham um brusco remate campestre àquele curto rompante de luxo barato” - Falta de convicção nacional para acabar grandes empreendimentos.

“E o que sobretudo o espantava eram as botas desses cavalheiros, botas despropositadamente compridas, rompendo para fora da calça colante com pontas aguçadas e reviradas como proas de barcos varinos... (…)

Porque essa simples forma de botas explicava todo o Portugal contemporâneo. Via-se por ali como a coisa era. Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe ficava, este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado - exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura.” - Obsessão portuguesa em imitar o que há no estrangeiro.


Os vencidos da vida

Designação com que Oliveira Martins baptizou, em 1888, o "grupo jantante" que se encontrava ora no Café Tavares ora no Hotel Bragança e que congregava, para fins de mero convívio e diversão, os membros mais destacados da chamada Geração de 70 (Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, António Cândido, o Marquês de Soveral, o conde de Ficalho e, a partir de 1889, Eça de Queirós).

Respondendo aos comentários dos muitos que desconfiavam da existência de intenções políticas ocultas por detrás destes encontros, Eça escreveu: "Mas que o querido órgão [Correio da Manhã], nosso colega, reflicta que, para um homem, o ser vencido e derrotado na vida depende, não da realidade aparente a que chegou, mas do ideal íntimo a que aspirava".

O autor d' Os Maias dava, assim, voz ao sentimento de desencanto ou frustração de uma geração que almejara a reforma sociocultural profunda do país e que, como Eça dizia desde 1878, parecia ter "falhado". Com a morte e o afastamento progressivo dos seus membros, o grupo dos "Vencidos da Vida" dissolveu-se por volta de 1894.

in Infopédia

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