terça-feira, 3 de julho de 2012

Dos exames e da sua correcção


E foi hoje que me vi livre dos malfadados exames. Que alívio senti, quando transpus o portão da escola! Tinha deixado para trás um peso enorme e senti-me leve, leve, tão leve... Quase voei com a força do vento!

Este ano, alguns alunos decidiram escrever, seguindo as regras do novo AO...
Tudo bem! Tínhamos ordens para aceitar o “português do século passado, do tempo dos dinossauros (como algumas pessoas gostam de dizer!),  e o deste século (o dos iluminados, pais do novo AO, que não o deram à luz, mas simplesmente “abortaram” (trata-se de um “aborto ortográfico”) e de todos os carneiros que seguem em fila, sem olharem para o lado, sem pensarem um bocadinho (dá muito trabalho!), e que comem tudo o que lhes põem à frente, sem se questionarem...
O problema, e houve realmente um problema, é que os meninos e as meninas desataram a eliminar tudo o que era cê e pê. Para eles, de repente, ficaram todos mudos e, portanto, dispensáveis! Todos os cês e pês tiveram ordem de soltura, todos tiveram de desaparecer, cortaram-lhes a voz... E, por mais que as palavras estrebuchassem, gritassem, ninguém as ouviu... E, por mais que os cês e pês dissessem, não saio daqui, daqui ninguém me tira, porque falo alto e bom som, não sou mudo... ninguém lhes deu ouvidos...
Tudo mal! Muitos alunos, se tivessem escrito como sempre fizeram, não teriam dado erros e não teriam alguns pontinhos a menos...

Por causa do acordês, fartei-me de ler asneiras nos exames: impato (impacto), “Podemos causar um maior impato numa entrevista de emprego se tivermos muitos conhecimentos linguísticos”; fato (facto), “... isto aconteceu pelo fato de os marinheiros terem receio de não voltar a ver os seus familiares...”; contato (contacto), “O contato com outras pessoas mais importantes...”; caraterística (característica), “Trata-se de uma caraterística da nossa língua...”; contatar (contactar), “Ele ao contatar com o Diabo...”...
Mas, isto não é tudo! Os alunos andam tão baralhados que tiraram todos os pês e cês que encontraram no seu caminho e colocaram acentos a torto e a direito em palavras que não os têm... Vejamos: diréto, indiréto, objéto, adjétivo... E eu consigo percebê-los muito bem, não havendo nada que nos indique que o E é aberto e para que não haja dúvidas na leitura das palavras, vamos lá pôr um acentozinho para toda a gente perceber que deve ler diréto e não direto (dirêto)... É que afinal os cês e os pês fazem falta, muita falta mesmo! Se lá estão para alguma coisa é! Directo não se lê da mesma forma que direto, cabecinhas iluminadas!

É de bradar aos céus! Está instalada a confusão! Agora toda a gente dá erros: os que sabiam escrever e os que não sabiam!
Há que agradecer aos iluminados que transformaram a nossa língua...
Será que não há ninguém no nosso (des)governo com dois dedos de testa, com um bocadinho de bom-senso... e que faça parar esta aberração?...

Lamento que haja tanta gente sem opinião, que coma a palha que lhe dão e acredite em todas as balelas que lhe dizem, que não tenha orgulho no seu maior património, a sua língua...

Porque é que ninguém se revolta? 
Porque se calam?... Porque se baixam?...
Que povinho este!


«Invejo a burrice, porque é eterna.»
Nelson Rodrigues




1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Uma desgraça.
Mais uns meses e alguém do Ministério da Educação vai dizer que os erros ortográficos não contam... Ou coisa ainda pior...
Beijo, querida amiga.